A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por meio julgamento do recurso especial n.º 2083701 – SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, fixou a seguinte tese no Tema Repetitivo n.º 1218: “A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho – independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.”
Como visto, a Corte Superior firmou a orientação, como regra, de que a reiteração delitiva é circunstância impeditiva da aplicação do princípio da insignificância ao crime descaminho. Neste sentido,“[…] fez destacar que a reiteração da conduta é uma circunstância apta a uma conduta mais reprovável e de periculosidade social relevante, inclusive porque transmite a ideia de impunidade, reduzindo o caráter de prevenção geral da norma penal, de modo que, caso verificada, tem-se por afastado, ao menos, dois dos pressupostos para reconhecimento da atipicidade material da conduta nos moldes estabelecidos pela jurisprudência, a saber: ausência de periculosidade social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.”
Entretanto, a referida decisão possibilitou uma exceção à regra, quando ressalvou que“[…]a depender das circunstâncias que tangenciem a reiteração da conduta, o julgador pode compreender que o reconhecimento da atipicidade material é a medida socialmente recomendável”.
Uma questão importante firmada neste precedente qualificado foi o alcance do termo “reiteração da conduta delitiva”. Neste sentir, a Terceira Seção referendou a jurisprudência já sedimentada naquela Corte Superior, onde se reconhece que “[…] apesar de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos fiscais é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância.”
Outra importante questão enfrentada na decisão foi a demarcação de eventual marco temporal para valoração dos procedimentos caracterizadores da habitualidade delitiva. Inicialmente, foi levada em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a qual definiu que os maus antecedentes não se submetem ao período depurador de cinco anos, aplicável apenas à reincidência (Tema 150). Por conseguinte, ficou estabelecido no precedente do STJ que não haveria base legal para aplicação desse lapso temporal ou mesmo outro marco objetivo para fins da contumácia delitiva, quando deverá incidir os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como critério de avaliação da contemporaneidade.
Por fim, ficou decidido que o valor do tributo sonegado não deve ostentar relevância para fins de reconhecimento da atipicidade material da conduta. Isso porque, “[…] em se tratando de agente contumaz na prática delitiva, é desinfluente perquirir o valor do tributo não recolhido para fins de aplicação do princípio insignificância, pois a contumácia, em regra, indica per se uma conduta mais gravosa e de periculosidade social relevante, de modo que a reiteração, em regra, acaba por afastar os requisitos necessários para o reconhecimento da atipicidade material da conduta.”
Em seu relatório, o Ministro Sebastião Reis Júnior ainda reforçou a motivação da decisão ao destacar que “[…] admitir a incidência do princípio da insignificância na hipótese de contumácia delitiva com base na totalidade do tributo não recolhido (inferior a vinte mil reais), teria o efeito deletério de estimular uma “economia do crime”, na medida em que acabaria por criar uma “cota” de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas.”
Como visto, a decisão constitui um importante precedente de orientação, entretanto deixa de pontuar a principal problemática envolvida – a definição de critérios objetivos e seguros no reconhecimento da (a)tipicidade material – eis que concede ampla margem de subjetivismo judicial. Em sentido contrário, encerro este texto com a citação da observação ímpar da Ministra Daniela Teixeira no julgamento do Habeas Corpus 834.558 – GO (STJ): “Não é o fato de praticar diversas vezes a mesma conduta que faz com que o fato se torne típico.”
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