Pílula Penal

Blog do Henrique Gonçalves Sanches

A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: PARA ENTENDER OS SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS.

Este conteúdo tem a pretensão de esclarecer os principais aspectos da audiência de custódia. Saiba mais sobre esse tema no decorrer da leitura. 

O QUE É A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA?

A audiência de custódia ou audiência de apresentação (nomenclatura mais correta!) consiste num instrumento processual que determina que toda espécie de preso seja levada à presença do Juiz, no prazo de 24 horas, para que este avalie:

  1. a eventual ocorrência de tortura;

  2. a legalidade da prisão;

  3. a necessidade da manutenção do encarceramento.

Nesta audiência de apresentação, além do preso e Juiz, deverão também estar presentes o membro do Ministério Público e Defensor (Advogado ou Defensor Público).

A PREVISÃO LEGAL DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

A audiência de custódia no Brasil decorreu das disposições em pactos e tratados internacionais de direitos humanos internais em que o país é signatário – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Porém, a obrigatoriedade na realização das audiências de custódia foi decorrente de decisões do Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 5240 e a ADPF 347. Após os citados julgamentos, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução nº 213/2015 para regulamentar o procedimento de apresentação dos presos.

Como visto, até então não existia lei ordinária para determinar e disciplinar a audiência de custódia no país.

Atualmente, a audiência de apresentação passou a ser prevista no art. 310 do Código de Processo Penal, sendo considerada inovação introduzida na legislação ordinária por força do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19).

O PRAZO DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

O art. 310 do Código de Processo Penal determina o prazo de 24 horas para a realização da audiência de custódia nos seguintes termos:

após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia.

É preciso ter cuidado com a interpretação dos prazos previstos no artigo 310 do Código de Processo Penal. Isso porque, e como se verá logo adiante, não se deve confundir o prazo estipulado à autoridade policial para comunicar o Juiz sobre a prisão em flagrante (24 horas conforme o art. 306, § 1º), daquele para a apresentação do preso em juízo (que também é de 24 horas).

A COMPETÊNCIA PARA PRESIDIR A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

A competência para presidir a audiência de custódia é (ou deveria ser) do juiz das garantias (artigo 3-B do Código de Processo Penal).

Entretanto, por força da concessão de medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, propostas em face da Lei Anticrime (13.964/99), o Ministro Luiz Fux suspendeu a eficácia da implementação do juiz das garantias e seus consectários até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decida sobre o mérito das questões.

No estado de São Paulo, para cumprir com a obrigação de apresentação de presos em flagrante delito ao Juiz no prazo determinado, o Tribunal de Justiça criou centrais de custódia em Regiões Administrativas Judiciárias.

Em relação as pessoas presas por ordem judicial (ex. prisão preventiva), a Corregedoria Nacional de Justiça recentemente reafirmou a competência da audiência conforme aquilo que já determinava o artigo 13, parágrafo único, da Resolução 213/2015:

Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

Por esta razão, atualmente estão proibidas as audiências no país realizadas por centrais de custódias, congêneres ou Juízes plantonistas.

QUAL A ESPÉCIE DE PRESO QUE DEVERÁ SER APRESENTADO NA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA?

Os detidos que devem passar por audiência de custódia são os presos em flagrante, temporários, preventivos, recapturados, condenados e devedores de pensão alimentícia.

Por razões lógicas, com exceção da prisão em flagrante, a razão da audiência de apresentação dos demais presos está restrita à constatação de eventual tortura.

Quanto aos presos em flagrante delito, além da verificação da legalidade da prisão e ocorrência de tortura, o Juiz também decidirá sobre a necessidade na continuidade do encarceramento como forma de prisão processual.

AS PROVIDÊNCIAS DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

Apresentado o custodiado ao Juiz competente dentro do prazo legal, após a verificação de hipótese de tortura e da legalidade da prisão, este deverá decidir fundamentadamente sobre:

  1. relaxamento da prisão ilegal;

ou

  1. conversão da prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;

ou

  1. concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança;

Com resguardo no princípio da presunção de inocência, o Conselho Nacional de Justiça recomenda ao Juiz conceder a liberdade provisória ou impor, de forma fundamentada, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. De outra maneira, a decretação da prisão preventiva, por ser a medida mais gravosa, deverá ser utilizada de maneira excepcional.

É muito importante destacar que na audiência será verificada apenas a legalidade da prisão e a necessidade da manutenção do encarceramento. Logo assim, é proibida qualquer dilação probatória, seja para interrogar ou realizar oitiva de testemunhas, tampouco prolatar sentença de mérito.

AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA VIRTUAIS.

A audiência de custódia virtual, após muita discussão, passou a ser admitida no país em razão da pandemia. Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da resolução 357/2020, admite o procedimento por videoconferência, desde que não seja possível a realização em 24 horas, de forma presencial.

Em relação às discussões a respeito das audiências de custódia virtuais na pandemia, recomendo a leitura dos artigos:

  1. https://canalcienciascriminais.com.br/audiencias-de-custodia-virtuais-um-ode-a-desumanizacao-do-processo/

  1. https://canalcienciascriminais.com.br/o-cnj-e-as-audiencias-virtuais-prevaleceu-a-humanizacao-do-processo/

AS CONDIÇÕES ADEQUADAS PARA A OITIVA DO PRESO NA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

Ainda nos termos da Resolução 213/2015 do CNJ, a audiência de apresentação deverá ocorrer em condições que tornem possível a colheita do depoimento do preso, de maneira livre de ameaças ou intimidações, que possam inibir o relato de práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes a que tenha sido submetido, tais como (entre outras):

  1. estar livre de algemas, com observância da Súmula Vinculante nº11 do STF;

  1. estar sempre acompanhado de advogado ou defensor público, assegurando-lhes entrevista prévia sigilosa, sem a presença de agente policial e em local adequado/reservado, de modo a garantir-lhe a efetiva assistência judiciária;

  1. se estrangeiro, deve ter assegurada a assistência de intérprete. Se surdo, deverá ter assistência de intérprete de LIBRAS;

  1. com separação organizacional dos agentes responsáveis pela segurança da audiência de custódia daqueles agentes responsáveis pela prisão ou pela investigação dos crimes;

  1. com proibição do agente responsável pela custódia, prisão ou investigação do crime estar presente durante a oitiva da pessoa custodiada;

A NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

O artigo 310 do Código de Processo Penal, em seu parágrafo quarto, determina que

Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.

Cumpre destacar que a ilegalidade que poderá ensejar o relaxamento da prisão se dará quando forem ultrapassadas 48 horas, sem que ocorra a apresentação do custodiado com justificação idônea na omissão, eis que a autoridade policial tem o prazo de 24 horas para comunicar o encarceramento e, a partir daí, mais 24 horas para que seja realizada a audiência.

Entretanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a não realização da audiência no prazo de 24 horas depois da prisão em flagrante constitui irregularidade passível de ser sanada, a qual não conduz à imediata soltura do custodiado, notadamente quando decretada a prisão preventiva.

Vale esclarecer que o parágrafo terceiro do artigo 310 do Código de Processo Penal determina que A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão, em especial pela pratica do crime de abuso de autoridade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Como visto, a audiência de custódia (ou de apresentação), é importante instrumento de filtragem contra o desnecessário encarceramento em massa. De maneira igual, fortalece a atuação dos agentes de segurança pública dentro da legalidade.

 Sua exigência tem previsão em tratados internacionais de direitos humanos, legislação ordinária nacional e um bem definido regramento de natureza administrativa, os quais conferem ao instituto a classificação de ferramenta indispensável à proteção de garantias fundamentais da pessoa, incluídas a liberdade e presunção de inocência.

Espero que o conteúdo tenha auxiliado e, em caso de dúvidas, deixe abaixo o seu comentário.

Até breve!

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