Pílula Penal

Blog do Henrique Gonçalves Sanches

A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E O DIREITO AO RECURSO EM LIBERDADE.

Recentemente, tive a oportunidade de atuar na defesa de uma pessoa acusada do cometimento do crime de roubo, quando foi restabelecida a sua liberdade em virtude de Habeas Corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que tenha respondido ao processo presa e condenada em primeira instância.

Como se explicará adiante, por conta de uma importante negligência na sentença penal condenatória, foi reconhecido pelo STJ, o constrangimento ilegal na liberdade de locomoção do homem condenado, o que lhe garantiu o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade.

Este conteúdo foi elaborado com a pretensão de esclarecer o leitor sobre uma importante questão na sentença penal condenatória: o direto ao recurso em liberdade.

Boa leitura!

1. PARA ENTENDER O CASO.

O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou duas pessoas pelo crime de roubo com agravação da pena pelo uso de arma e concurso de pessoas, quando ao final do processo na primeira instância, foram condenadas ao cumprimento de altas penas privativas de liberdade em regime inicial fechado, sendo negado ainda o direito ao recurso de apelação em liberdade.

Os condenados apelaram da sentença penal.

É importante esclarecer que estes homens foram presos em flagrante pela Polícia Militar, e após a formalização da prisão, encaminhados à audiência de custódia, onde fora decidido pela decretação da prisão preventiva.

Durante a instrução criminal foi requerida a revogação da prisão preventiva de um daqueles acusados, sendo a liberdade negada na primeira instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo, e também pelo Superior Tribunal de Justiça.

A justificativa sempre foi a mesma: a gravidade concreta do caso.

Ocorre que ao sentenciar a ação penal, a Juíza de primeira instância cometeu uma importante negligência: decidiu manter a prisão dos denunciados, entretanto, sem explicar qualquer motivo para assim decidir!

Por esta razão, novos Habeas Corpus foram impetrados, e ao chegar no Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Rogério Schietti, da Sexta Turma, concedeu liminar, a qual foi convalidada no julgamento do mérito para garantir o direito de liberdade do condenado assistido, sob a justificativa da absoluta falta de fundamentação na decisão da manutenção da prisão.

2. QUAL O EMBASAMENTO JURÍDICO DO HABEAS CORPUS PARA REVOGAR A PRISÃO PREVENTIVA E DEVOLVER A LIBERDADE DO SENTENCIADO?

A sentença combatida violou diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988, como as garantias do devido processo legal, da presunção de inocência e da necessidade de fundamentação na decisão de prisão (artigo 5º, incisos LIV, LVII, LXI, LXVI e artigo 93, IX).

Igualmente, também foi violado importante dispositivo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 7),o qual determina que: 1) Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais; 2) Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas; 3) Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários; 4) Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela; 5) Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis prevê em que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.

Não diferentemente, diversos dispositivos do Código de Processo Penal também foram violados: 1) artigo 282, § 6º, o qual determina que O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem ; 2) artigo 283, o qual determina que Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado; 3) artigo 312, § 2º, por determinar que A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada; 4) artigo 315, o qual determina que A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada, devendo o Juiz indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada; e, por fim; 5) artigo 387, § 1º, o qual impõe que O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.

3. QUAL FOI A ARGUMENTAÇÃO UTILIZADA NO HABEAS CORPUS PARA CONSEGUIR O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE DO CONDENADO?

Na impetração tive o cuidado de demonstrar que a manutenção da prisão preventiva na sentença condenatória estava desprovida de mínima justificativa da sua necessidade.

Destaquei que o artigo 315, § 2º do CPP traz regras específicas para dizer quando NÃO se considera fundamentada uma decisão judicial. Esclareci também que neste dispositivo se tem sete hipóteses e, dentre estas, TODAS estão muito distantes da hipótese do caso, qual seja – a inexistência de uma única palavra para motivar a decisão de encarceramento -, o que evidenciava o tamanho da ilegalidade na liberdade de locomoção do sentenciado.

A referência – e não justificativa – da privação da liberdade do sentenciado tinha apenas duas linhas incompletas e onze palavras, onde, nestas circunstâncias era evidente que a decisão combatida não encontrava respaldo na jurisprudência remansosa da Corte Superior.

4. COMO TEM DECIDIDO O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DO DIREITO AO RECURSO EM LIBERDADE?

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está assentada no sentido de que “[…]considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. O art. 387 § 1º do CPP, por sua vez, dispõe que o Juiz deve decidir, por ocasião da prolação da sentença, de maneira fundamentada, acerca da manutenção ou, se for o caso, da imposição da preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação interposta.” (HC: 345100 SP 2015/0314605-3, Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, Data de Julgamento: 19/04/2016, T5 – Quinta Turma).

Igualmente também está pacificado o entendimento de que “[…] O fato de o réu ter permanecido preso durante toda a instrução criminal não justifica a negativa ao apelo em liberdade, quando se ampara em constrição antecipada manifestamente ilegal.”(STJ. HC 71543 / RJ. Ministro Arnaldo Esteves Lima. T5. – Quinta Turma).

Para saber mais sobre a jurisprudência a respeito da prisão preventiva, veja em https://www.henriquegoncalvessanches.com.br/prisao-preventiva-6-decisoes-que-voce-precisa-conhecer/

5. COMO DECIDIU O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO HABEAS CORPUS?

Neste julgamento, o Ministro relator julgou monocratimente o mérito do Habeas Corpus, quando convalidou a liminar anteriormente concedida, para reafirmar a orientação daquela Corte: “é direito do réu, ao ser sentenciado, ter nova análise cautelar de sua segregação, pois ainda não se formou juízo definitivo de condenação e somente a demonstração da necessidade da cautela máxima autoriza sua manutenção”.

Por fim, a decisão de concessão de liberdade ainda fez destacar que “Chega a surpreender que ainda se vejam decisões com tamanha falta de fundamentação, mormente em um caso grave como o ora examinado, que nem demandaria muito esforço para atender ao requisito básico de qualquer decisão judicial”.

6. CONCLUSÃO.

Como visto na apresentação deste caso concreto submetido ao Superior Tribunal de Justiça, a gravidade do crime denunciado, por si só, jamais poderá se sobrepor às regras do Código de Processo Penal, aos compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional e, principalmente, às garantias asseguradas a todos pela Constituição Federal no que diz à liberdade. A jurisprudência dos Tribunais Superiores reafirmar a cada dia que, num estado democrático de direito, a liberdade de qualquer acusado deve ser regra, a qual somente será ser excepcionada com a observância estrita no regramento jurídico específico.

Por meio deste conteúdo, espero ter contribuído com os amigos na disseminação da jurisprudência atualizada de um tema extremamente caro a qualquer pessoa – a defesa da liberdade!

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