Pílula Penal

Blog do Henrique Gonçalves Sanches

O acordo de não persecução penal pode impedir pedido de reabilitação criminal?

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial n.º 2.059.742-RS, de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, decidiu que, apesar do acordo de não persecução penal não gerar reincidência ou maus antecedentes, tem legitimidade para implicar no indeferimento do pedido de reabilitação criminal, nos termos do art. 94, inciso II, do CP.

Em suas razões, o recorrente pretendeu a sua reabilitação criminal por meio do recurso especial. Para isso, teria alegado a violação dos arts. 94 e 95 do CP, eis que a celebração de acordo de não persecução penal, com consequente extinção da punibilidade, não ensejaria antecedentes criminais autorizadores da rejeição do pedido.

  1. O que seria a reabilitação criminal?

 Segundo a definição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT[1], a reabilitação criminal […] trata-se de medida de politica criminal que objetiva restaurar a dignidade pessoal e facilitar a reintegração do condenado à comunidade, que já deu mostras de sua aptidão para exercer livremente a cidadania.

 A previsão legal da reabilitação está no Código Penal, o qual dispõe que […]alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação (art. 93), e […]poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo. (parágrafo único).

 Os pressupostos da reabilitação estão definidos no art. 94, que por sua vez dispõe que […] poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I – tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; II – tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; III – tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

  1. O que seria o acordo de não persecução penal (ANPP)?

 O acordo de não persecução penal pode ser definido como sendo espécie de negócio jurídico penal firmado entre o Ministério Público e investigado, assistido por seu Defensor, quando preenchidos os requisitos legais, negociam condições que, após o devido cumprimento, acarretará a extinção da punibilidade.

É muito importante ressaltar que o § 12º do art. 28-A do CPP determina que a celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para inviabilizar nova proposta num prazo de cinco anos.

  1. Nos termos do julgamento do recurso especial n.º 2.059.742-RS, seria possível conceder a reabilitação criminal ao recorrente que foi beneficiado com acordo de não persecução penal?

Nas razões do desprovimento do recurso, o Ministro relator iniciou o seu voto esclarecendo que […] a reabilitação é um conceito e uma medida no âmbito da política criminal que pretende a restauração da dignidade pessoal de indivíduos condenados, bem como a facilitação de sua reintegração na comunidade. Ela é um instrumento essencial para a ressocialização e a reinserção de condenados na sociedade, uma vez que reconhece que, em certos casos, as pessoas podem demonstrar que estão prontas para reassumir plenamente seus direitos e responsabilidades como cidadãos.

Logo adiante, a decisão entendeu por necessário estabelecer uma distinção entre antecedentes criminais desfavoráveis e a demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado, quando concluiu que […]O fato de o ANPP não gerar reincidência ou maus antecedentes não necessariamente implica o reconhecimento de “bom comportamento público e privado”, conforme estabelecido no art. 94, II, do CP, que se refere à conduta social e moral do indivíduo na sociedade.

Ao prosseguir no voto,  também ficou destacado que […] O termo “bom comportamento público e privado”, constante no art. 94, II, do CPP, refere-se à conduta social e moral de um indivíduo, tanto em suas interações públicas quanto privadas. Ele engloba ações éticas, respeitosas e socialmente aceitáveis em todas as áreas da vida, independentemente de estar em um ambiente público, onde outras pessoas estão presentes, ou em situações privadas, mais íntimas e pessoais.

Por fim, ainda esclareceu que naquele caso levado ao conhecimento da Corte Superior, a avaliação da ausência de bom comportamento se justificava no indiciamento do recorrente pelo crime de estelionato majorado por fraude eletrônica, eis que teria se beneficiado indevidamente pelo recebimento do benefício de auxílio emergencial.

Conclusão.

Como visto, esta recente decisão é polêmica e aparentemente não tem precedentes.

Existe uma evidente contradição porque, ao mesmo tempo em que o Estado declarada a falta de interesse em punir, tampouco deflagrar ação penal em certos crimes, praticados em determinadas condições e sem maiores consequências penais (ANPP), utiliza destas mesmas circunstâncias para impedir pedido de ressocialização por meio de “roupagem” diversa (ausência de bom comportamento público). 

Por isso, o assunto deverá comportar maiores debates na doutrina e jurisprudência, principalmente por envolver critérios de ressocialização, estado de inocência e dignidade da pessoa humana.

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[1] BITERNCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 29ªed. São Paulo: SaraivaJur, 2023. P 926.

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