Pílula Penal

Blog do Henrique Gonçalves Sanches

O QUE É A INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Em dezembro de 2018, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil publicou o Provimento nº 188/2018, onde o seu art. 1º dispôs e passou a autorizar a investigação realizada diretamente pela Defesa nos seguintes termos:

Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.”

EM QUAL MOMENTO PODERÁ OCORRER A INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Quanto ao momento da investigação defensiva, o Provimento prevê já no seu artigo 2º que a atividade realizada diretamente pela Defesa poderá ocorrer na etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução processual em juízo, na fase recursal, em sede de execução penal e, ainda, como medida preparatória ou no transcorrer da propositura da revisão criminal. Enfim, não há qualquer limitação temporal para que o Defensor diligencie na busca da melhor alternativa jurídica em favor do seu constituinte.

QUAIS AS FINALIDADES POSSÍVEIS DA INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Na busca da paridade de armas no processo penal, a regulamentação prossegue, e no seu art. 3º passa a dispor que a investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades (rol exemplificativo), poderá se orientar na produção probatória para embasar:

I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;

II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;

III – resposta a acusação;

IV – pedido de medidas cautelares;

V – defesa em ação penal pública ou privada;

VI – razões de recurso;

VII – revisão criminal;

VIII – habeas corpus;

IX – proposta de acordo de colaboração premiada;

X – proposta de acordo de leniência;

XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.”

Não diferentemente, o referido artigo ainda dispõe sobre a possibilidade da realização de diligências à obtenção de prova para fundamentar o oferecimento de queixa-crime (principal ou subsidiária).

QUAIS AS ATIVIDADES POSSÍVEIS NA INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Na condução da investigação e formação do arcabouço probatório, o Advogado poderá promover diretamente (art. 4º) “[…]a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição”.

Por fim, ainda que as atividades sejam privativas da Advocacia e da Defensoria Pública (art. 7º), a regulamentação determina que “[…]o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.”

QUAL A RAZÃO DE SER DA INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Como se vê, o posicionamento e regulamentação da OAB a respeito da investigação defensiva, ainda que polêmicos, certamente conferem maior efetividade à garantia constitucional do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV) aos investigados, denunciados e até mesmo àqueles já condenados. Neste sentido, e nas palavras de EVINIS TALON (Investigação Criminal Defensiva. 2ª ed. Lumen Juris), a providência

[…] amplia o cenário de atuação da defesa técnica, que não deve mais permanecer inerte ou apenas rebater o que a outra parte apresenta nos autos. Exige-se uma postura ativa, inovadora e produtora de elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.”

EXISTEM LIMITES LEGAIS À INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA?

Cumpre ressalvar que a atuação do Advogado na atividade direta de investigação não é livre e deve respeito à legalidade dos atos. Como visto, poderá perseguir provas para embasar absolvição, reforma da pena, reconhecimento de nulidade etc. Contudo, o artigo 1º deixa evidente que atividade do Defensor deverá se orientar “ […] à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito”.

Disso decorre que ao Advogado no exercício da atividade investigativa serão atribuídas restrições legais e constitucionais como a qualquer sujeito ou órgão relacionado à persecução penal, sob pena de responsabilidade ética, cível e criminal.

Logo assim, para garantir maior lisura no mister, ainda que não obrigatória, recomenda-se ao Defensor a comunicação à Seccional da OAB a respeito da instauração do procedimento investigativo.

Não de outra forma e ainda com observância estrita ao artigo 5º do Provimento, deverá o Defensor “[…]preservar o sigilo das informações colhidas, a dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas.”.

A INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA É RECONHECIDA PELA JURISPRUDÊNCIA?

Ainda que de maneira tímida, a Jurisprudência vem reconhecendo a legalidade da investigação realizada diretamente pela Defesa. Existe registro de decisão exemplar no Superior Tribunal de Justiça para conceder segurança e reconhecer como legítima

[…] a pretensão do impetrante de “conduzir Investigação Defensiva, objetivando a constituição de acervo probatório lícito, cujo direito lhe é assegurado em qualquer procedimento ou fase da persecução penal, nos termos do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB”, devendo-se, no ponto, levar em estima a cláusula constitucional da ampla defesa (art. 5, LV), no que esta busca garantir a paridade de armas entre os interesses probatórios do órgão acusatório e defesa técnica da parte ré, ambos almejando certificar a veracidade de suas versões.” (STJ. MANDADO DE SEGURANÇA MS 26627 DF – Min. Rel. Sergio Kukina)

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Neste texto não tive a pretensão de esgotar o assunto que deveras é polêmico em diversas vertentes. Destaco que a investigação defensiva atualmente carece de força normativa vinculante aos demais Poderes. Entretanto, é certo que a atividade probatória tem amparo constitucional, está regulamentada por Provimento do Conselho Federal da OAB e, principalmente, vem sendo reconhecida pela jurisprudência. Mais certo ainda é a necessidade da moderna advocacia criminal em assumir postura protagonista por meio da investigação defensiva, como instrumento de equiparação de armas na solução do conflito e, principalmente, conferir efetividade a tão importante função essencial à Justiça que a Lei Maior lhe reconhece.

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